COISAS QUE IRRITAM O CORREDOR DE RUA

COISAS QUE IRRITAM O CORREDOR DE RUA

Meu treino de hoje foi uma delícia. A temperatura estava agradável e, quando eu já tinha mandado alguns quilômetros para o ar e começava a tentar aumentar o ritmo, chegando mesmo a suar um tantinho, veio um chuvisco refrescante para acalmar os sentidos.

Acalmar, mas não apagar. De olhos bem abertos para o mundo, não deixava de ver as mazelas a minha volta. Um motorista buzinando sem parar, outro fechando um vizinho, desrespeito às leis de trânsito e aos semáforos, aquela coisa linda.

Para variar, havia um motoqueiro acidentado, ensanguentado, estirado no chão, já atendido pelos bombeiros e com um enxame de marronzinhos em volta –um deles dirigia uma perua no canteiro na Sumaré e quase me atropelou porque olhava para trás enquanto movimentava o carro para a frente.

Em suma, o mundo continua aí mesmo quando a gente se encastela no maravilhoso terreno da corrida. Em geral, a mim nada incomoda, pois sigo na mesma balada. Nas minhas corridas digitais, porém, pelos mais diversos recantos da internet, encontro relatos de corredores que se irritam com muita coisa – algumas surpreendentes, outras corriqueiras.

Uma turma de corredores que se encontram no Twitter, por exemplo, e agora abriu sucursal no Facebook, traz a público comportamentos de não corredores que atrapalham os treinos ou simplesmente irritam o mais concentrado velocista.

Parece haver, no povo civil, a crença de que corredor sabe tudo. E o cidadão não tem o menor pudor de parar o sagrado treino para pedir uma informação.

“Estava treinando ontem e, em um cruzamento da Vergueiro, para um Celta bem na minha frente, já com os vidros abertos, e o sujeito pergunta onde fica a rua tal. Será que ele não percebe que estou treinando, ocupado, ofegante? Para em um posto, se vira...”, desabafa um corredor, enquanto outro relata que parece ser um ímã de motoristas preocupados com uma eventual blitz policial que supostamente estaria mais à frente na avenida.

Mesmo os felizes atletas que podem treinar no litoral ficam emburrados. Veja só o que diz uma moça que parece ter mesmo muito pouca paciência: “Me irritam as pessoas que caminham no calçadão da praia e fazem parede, impedindo a passagem, me irritam pitbulls soltos e sem focinheira, me irrita minha meia "pegando", o protetor solar escorrendo no meu olho e ardendo... Muitas coisas me irritam, mas o que me irrita mais é já estar cansada com dois minutos de trote, e continuar assim com uma hora...”.

Calma, é melhor encarar as coisas de modo mais filosófico, para não se estressar quando está tentando exatamente se desestressar. É bem verdade que as coisas que dizem para a gente, quando estamos correndo pelo asfalto afora, podem tirar alguns do sério.

A mim, por causa de minha aparência, já chamaram de tudo, desde Rei Leão até Osama, Jesus Cristo, Papai Noel e o Selvagem de Bornéu. O pior foi um garoto, que, na aparente intenção de incentivar, mandou esta: “Vai lá, tio!”

As moças também sofrem com as piadinhas. “Vai lá, Maria!”, gritam para uma, que também já recebeu a suprema ofensa: “Vamos lá, gordinha!”.

Há outras frases igualmente gozadinhas: “A corrida é para o outro lado” é até criativa, mas alguns passantes parecem transferir para o corredor suas frustrações: “Corre mais rápido, gordão” e “Tá correndo ou tá passeando?” já foram ouvidos por um atleta mais bem fornido.

O bom é que a gente está sempre passeando e segue em frente, esmagando a irritação com as nossas passadas.